domingo, março 11

Sinto a noite..

Por tua causa saio de casa à noite. Desço as escadas do prédio a tentar não fazer demasiado barulho com os saltos no mármore, abro a porta de ferro e sinto o ar frio com aroma a gases de escape. Lisboa, uma da manhã. Ou tavez meia-noite, ou ainda onze. Aperto a gola do casaco contra o peito e o pescoço, encandeio-me com as luzes da noite, percorro instintivamente o caminho que me leva até à praça de táxis mais próxima, de frente para a praça de touros que sempre me pareceu o palácio da princesa Jasmine.
Bato à janela com o nó do indicador, "Posso?" Entro e recito a morada, já com as respectivas indicações do melhor caminho. E seguem-se os cinco minutos mais estranhos dos meus dias.

Houve aquela vez em que me apercebi que estava num carro novo, cheio de luzes verdes, vermelhas e azuis que piscavam ao som de trance. Que digamos, não se ouve em som baixo. Janela aberta, volume no máximo, tijolo no acelerador, os semáforos vermelhos a passar para verde à nossa chegada só para ajudar à festa. Um momento de hesitação, liga-se o GPS (mais luzes) e estamos no destino. As únicas palavras que ouvi foram o preço da corrida e “boa noite”. Fiquei pasmada. Da segunda vez que encontrei este espécime raro tinha substituído a fantástica aparelhagem por uma mini-televisão, onde víamos a RTP. Confesso que estive para lhe pedir o número de telefone, quando (se) tiver um motorista, quero este.

Mas geralmente são mais típicos. Como aquele que pergunta “A menina veio de comboio?”
“Não, não vim.”
“Mas não é de cá. De onde é?”
“_, Alto Alentejo”
“Ah, isso é quase na Beira.”
“Pois, mas ainda é Alentejo.”
“Então veja lá se adivinha de onde sou eu.”
“É da Beira?”
“Madeira? Não!”
“Não, não, da Beira!”
“Ah, não!”
“Então… É de Trás-os-Montes. De Bragança.”
“É verdade!”
E foi então que me explicou que quando fosse a Bragança haveria de pedir um “bife das bruxas, beber o vinho dos mortos e provar o doce do infeerrno”. E explicou-me muito bem a origem de tais nomes. E fez questão de me deixar mesmo à porta de casa, apesar de eu pagar apenas o suficiente para sair no semáforo anterior, cuja personalidade teimosa já conheço.
“Porque estas não são horas para a menina andar sozinha nas ruas de Lisboa.”
“Obrigado, boa noite.”

Sem comentários: